Carreira ou filhos?

É um dilema que um número cada vez maior de mulheres jovens enfrenta: posso esperar minha carreira estar consolidada para só então pensar em ter filhos? Um teste genético que pode diminuir o caráter de aposta dessa decisão poderá estar à disposição em 2010. Ele é baseado na descoberta de um gene que parece prever a taxa de redução do suprimento de óvulos das mulheres.

Mas o objetivo do teste é prever se uma mulher de 20 e poucos anos corre alto risco de ter menopausa precoce. Se o teste for positivo, o monitoramento posterior de seu estoque de óvulos confirmará se a fertilidade está mesmo em declínio precoce. Munida dessas informações, ela poderá então decidir se começa uma família mais cedo ou mais tarde. Ou se congela alguns óvulos para aumentar suas chances de engravidar no futuro. Ainda não há certeza sobre se o teste será realmente útil.

Uma mulher nasce com todos os óvulos que vai ter durante a vida – de 1 a 2 milhões de óvulos imaturos, chamados de folículos. Ao atingir a puberdade, cada mulher tem cerca de 400 mil folículos. Esse número diminui progressivamente até a menopausa, quando restam apenas algumas centenas deles. O número de folículos de uma mulher em qualquer momento da vida – sua reserva ovariana – reflete aproximadamente quantos óvulos ela ainda vai liberar.

Depois dos 35 anos, a maioria das mulheres sofre uma queda acentuada em sua reserva ovariana e, consequentemente, em sua fertilidade. Mas cerca de 10% das mulheres sofrem de envelhecimento precoce do ovário por volta dos 20 anos. Testes hormonais podem fornecer um retrato aproximado da reserva ovariana de uma mulher – e evidenciar o declínio da fertilidade. O desafio é diagnosticar o envelhecimento ovariano precoce antes que ele aconteça.

Norbert Gleicher, do Centro para Reprodução Humana em Nova York, acha que pode fazer exatamente isso usando um gene que já foi relacionado ao envelhecimento reprodutivo. Mulheres que apresentam no gene FMR1 mais de 200 repetições da sequência CGG do DNA estão propensas a ter a Síndrome do Cromossomo X-Frágil, que causa diminuição da capacidade mental. Algumas mulheres têm de 55 a 200 repetições de CGG: elas não têm diminuição da capacidade mental, mas apresentam alto risco de ter menopausa precoce.

Intrigado com essa relação, Gleicher se perguntou se esses números de repetições no FMR1 poderiam conter também pistas sobre o envelhecimento precoce do ovário, que é mais comum e menos dramático que a menopausa precoce. Ele analisou os genes FMR1 de 316 mulheres que frequentavam sua clínica de fertilidade. Fez um retrato de suas reservas ovarianas medindo os níveis de um hormônio chamado anti-Mulleriano (AMH na sigla em inglês), um indicador de quantos óvulos estão amadurecendo nos ovários num dado momento.

Em mulheres que têm entre 28 e 33 repetições, encontrou níveis normais do AMH. Mas, em mulheres com repetições superiores a essa variação, os níveis de AMH indicaram envelhecimento ovariano precoce. Sua equipe calculou que para cada aumento de cinco repetições de CGG acima da variação, o risco aumentava 50%. Gleicher concluiu que o número de repetições de CGG prevê se uma mulher está propensa a ter envelhecimento ovariano precoce. “Podemos pegar uma mulher de 18 ou 20 anos, checar seu X-Frágil e fazer uma ótima previsão sobre seu risco”, diz. Como é sabido que o FMR1 ajuda a regular a transição dos óvulos imaturos para seu estado maduro, isso faz sentido.

O pesquisador espera começar a oferecer o teste ainda em 2010. Porém, nem todas as mulheres detectadas pelo teste vão ter dificuldade para engravidar na casa dos 30 anos. Somente testes hormonais vão confirmar se sua reserva de óvulos está se esgotando mais rapidamente que o normal. Segundo Gleicher, a pessoa poderá sentar e discutir sobre um plano para sua vida reprodutiva. “Em outras palavras, você quer ter seus filhos antes de tirar seu Ph.D. ou depois?”, diz. “ Se a resposta for depois, talvez seja interessante congelar alguns óvulos.” Gleicher diz que ainda precisa estabelecer níveis mínimos dos hormônios que estão sendo usados para medir a reserva ovariana em mulheres de diferentes idades que não estão tendo problemas de fertilidade.

Se a mulher quer ter filhos somente depois do Ph.D., mas tem óvulos frágeis, talvez devesse congelá-los
 
Muitos acham que ele está se precipitando. Uma das críticas é que, apesar de o AMH ser um dos melhores marcadores da reserva ovariana atualmente, ele não fornece uma medição direta do número de óvulos imaturos que restam. “Se alguém realmente quiser um instrumento para prever com muita antecedência quando vai entrar na menopausa, um teste que indique a quantidade de folículos primários é mais importante,” diz Sharon Lie Fong, do Centro Médico Erasmus, em Roterdã, na Holanda. “Ele também tem de provar se essas mulheres têm baixa fertilidade.”

Apesar de o envelhecimento ovariano precoce abranger um declínio tanto na qualidade quanto na quantidade de folículos, mulheres com uma reserva menor não necessariamente terão dificuldade para engravidar, diz Frank Broekmans, do Centro Médico da Universidade de Utrecht, na Holanda. Ele diz que os resultados de Gleicher precisam ser confirmados com um grupo maior de mulheres monitoradas por alguns anos, para determinar se as repetições de CGG afetam a probabilidade de uma gravidez. “É necessário algum tipo de acompanhamento para saber se esse teste realmente prevê acontecimentos de longo prazo.” Stephanie Sherman, da Universidade Emory, em Atlanta, na Geórgia, que também estuda o FMR1, diz que os resultados de Gleicher são empolgantes. Mas ela também gostaria de vê-los reproduzidos antes que o teste seja usado clinicamente.

O que pode ser feito agora, diz ela, é pesquisar mulheres com um histórico familiar de cromossomo X-Frágil para ver se elas têm as 55 a 200 repetições CGG indicadas, o que as colocaria em alto risco de ter menopausa precoce. “Está claro que esse é um indicador da reserva ovariana.”

Um teste de FMR1 pode ajudar também mulheres que não engravidam naturalmente, diz Bill Ledger, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido. “Muitas mulheres com falência ovariana precoce têm curiosidade de saber por que isso aconteceu, e isso pode ajudar a explicar o fenômeno em alguns casos.”

O FMR1 não é o único fator que prevê o envelhecimento prematuro dos ovários. Broekmans descobriu recentemente que mulheres saudáveis com baixos níveis de AMH para sua faixa etária pareciam atingir a menopausa antes da idade média de 51 anos. Porém, essas mulheres tinham de 25 a 45 anos de idade quando fizeram o teste de AMH, e essas previsões ainda precisam ser comprovadas em mulheres mais jovens, que são propensas a apresentar maior variabilidade em seus níveis de AMH.

Outra opção é pesquisar outros genes além do FMR1. Recentemente, Kutluk Oktay, da Faculdade de Medicina de Nova York, disse na Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva que uma mulher com mutação no gene BRCA1 (que aumenta o risco de câncer de mama e ovário) pode também apresentar maior risco de envelhecimento ovariano precoce. Oktay está planejando agora estudos clínicos mais amplos para confirmar a descoberta, assim como investigações moleculares para explorar os mecanismos subjacentes. “A reparação do DNA pode ser um componente importante do envelhecimento ovariano”, diz.

Enquanto isso, outros estudos genéticos revelaram recentemente mutações genéticas comuns que influenciam a idade da menopausa. A maioria dos pesquisadores concorda que avaliar a expectativa da vida reprodutiva de uma mulher em torno de seus 20 anos pode ser benéfico e que o teste de Gleicher é o primeiro passo. Mas um teste suficientemente confiável para transformar a vida de um grande número de mulheres vai provavelmente envolver uma série de marcadores hormonais e genéticos. Também é preciso que o teste seja rigoroso para garantir que as mulheres não fiquem sobrecarregadas pela ansiedade – ou alimentem falsas esperanças.

Copyright NewScientist (tradução Maria Fernanda Cavallari)
 
Fonte: Época 

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